Separação Obrigatória de Bens na Legislação Brasileira
- Davila Lima
- 26 de set. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 3 de out. de 2024
Quem é obrigado a casar nesse regime e por quê?

1) O Que é Regime de Bens?
O regime de bens é um conjunto de regras que determina como será administrado o patrimônio de um casal durante o casamento e, em caso de dissolução da união, como serão partilhados os bens.
No Brasil, os regimes de bens são regidos pelo Código Civil (Lei 10.406/2002), e sua escolha deve ser feita antes do casamento, por meio de pacto antenupcial, ou de forma tácita, pela ausência de escolha.
Os principais regimes de bens previstos na legislação brasileira são: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação total de bens e participação final nos aquestos.
2) Escolha do Regime de Bens
Após a decisão do casal em formalizar o casamento, existem algumas decisões que a maioria dos casais somente pensa quando irá realizar o requerimento perante o cartório.
As duas perguntas típicas que os casais param para refletir e que deveriam ter pensado sobre isso antes são: "Vai acrescentar o sobrenome do cônjuge?" E, logo em seguida, "Qual será o regime de bens que vocês escolherão?"
A última pergunta determina uma das partes mais importantes do casamento, pois uma vez escolhida, não é tão simples alterá-la.
Na maioria das hipóteses, a escolha do regime de bens é livre para o casal, mas existem casos específicos em que essa escolha é limitada, o que veremos adiante.
Para aqueles que podem escolher, o regime mais comum é o de comunhão parcial de bens, o qual não precisa de grandes formalidades para ser estabelecido. Esse regime determina que tudo que for adquirido durante a constância do casamento será de ambos os cônjuges.
Optar por qualquer um dos outros regimes torna obrigatória a realização do que chamamos de pacto antenupcial e seu registro perante o cartório de notas.
Apesar do nome assustar, não é tão complexo.
O pacto antenupcial nada mais é do que um “contrato” formalizado antes do casamento, no qual os futuros cônjuges estipulam as regras de gestão e partilha de seu patrimônio, realizado mediante escritura pública.
A escritura pública é registrada no cartório de notas, e a maioria dos cartórios já faz o encaminhamento de forma automática e em um modelo padrão. Mas isso será objeto de outro artigo.
Mas atenção: a ausência desse pacto implica a aplicação do regime de comunhão parcial de bens, conforme o Código Civil.
Agora vamos falar sobre aqueles que não podem escolher o regime de bens.
3) O que é separação obrigatória de bens?
Esse regime também é chamado de regime de separação legal de bens e visa proteger determinadas situações e interesses específicos. Ao contrário do que ocorre no regime de comunhão universal de bens, onde todo o patrimônio é compartilhado, a separação obrigatória garante que cada cônjuge mantenha a propriedade exclusiva dos bens adquiridos antes e durante o casamento. Este regime é imposto pela lei em casos específicos, independentemente da vontade do casal.
a) Fundamentação Legal
O regime de separação obrigatória de bens está previsto no artigo 1.641 do Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002). É um regime semelhante à separação total de bens, no entanto é utilizado em situações específicas, pois é mandatória:
Casamento de Pessoas com Mais de 70 Anos:
Conforme o inciso II do artigo 1.641, as pessoas que se casam após completarem 70 anos de idade são obrigadas a adotar o regime de separação de bens. O objetivo é evitar que pessoas idosas, muitas vezes vulneráveis, sejam alvo de golpes financeiros.
Essa determinação era absoluta até fevereiro de 2024, quando o STF entendeu pela inconstitucionalidade da previsão, permitindo que pessoas com mais de 70 anos de idade possuam a faculdade de escolher o regime de bens, devendo manifestar o regime de bens de forma expressa.
Casamento de Pessoas que Dependem de Autorização Judicial:
O inciso III do mesmo artigo prevê a separação obrigatória de bens para aqueles que necessitam de autorização judicial para casar, como menores emancipados ou pessoas interditadas, devido à incapacidade civil.
Causas suspensivas:
Existem algumas circunstâncias que obrigam o casal a usar o regime de separação de bens, como são os casos expressos no art. 1.523 do CC/02:
i. Quando o (a) viúvo (a) com filho herdeiro decidir casar antes de finalizado o inventário e realizada a partilha de bens;
ii. Quando um dos cônjuges já tenha se divorciado do casamento anterior, no entanto não houve decisão acerca da partilha de bens ou homologação do acordo;
iii. A viúva ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado até dez meses depois do início da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal;
iv. O tutor ou o curador e seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela e não estiverem saldadas as respectivas contas.
Como o nome já diz, a referida condição é suspensiva, ou seja, uma vez que essa causa seja superada, os cônjuges podem alterar o regime de separação de bens na Justiça.
4) Vantagens e Desvantagens
Vantagens:
· Proteção Patrimonial: O regime impede que o patrimônio de um cônjuge seja dilapidado por dívidas ou má administração do outro.
· Autonomia: Cada cônjuge mantém o controle total sobre seus bens, o que pode ser vantajoso para pessoas com grandes patrimônios ou negócios.
· Segurança Jurídica: Para pessoas idosas ou vulneráveis, este regime proporciona uma camada adicional de proteção contra possíveis abusos.
Desvantagens:
Separação de Ativos: Pode ser visto como uma falta de confiança entre os cônjuges, já que os bens não são compartilhados.
Implicações Emocionais: Em alguns casos, a imposição do regime pode gerar conflitos e ressentimentos, especialmente quando não é uma escolha dos cônjuges.
Necessidade de comprovação, em caso de contribuição de ambos: Muitas vezes a cônjuge virago se abdica de sua carreira profissional para cuidar da casa e dos filhos, ficando o homem responsável por prover e trazer recursos financeiros para a família. No entanto, diante deste regime, havendo a referida situação e, posteriormente, o divórcio ou o falecimento de algum dos cônjuges, ainda que a outra parte tenha contribuído de outra forma que não seja através de recursos financeiros, terá a necessidade de comprovar o esforço comum para adquirir determinado bem.
5) Mas se eu for casado em separação legal, ainda que eu tenha ajudado indiretamente a construir o patrimônio, não tenho direito à partilha?
Apesar de ter uma tratativa semelhante à separação convencional de bens, a separação legal possibilita comprovar, em caso de falecimento ou divórcio, que determinado bem foi adquirido com esforço de ambos os cônjuges, ainda que o bem não tenha sido registrado em nome de ambos.
O ideal é que, nesse regime, havendo contribuição das duas partes para adquirir o patrimônio, passe a constar o nome de ambos e com o percentual proporcional conforme sua contribuição. Mas as pessoas não costumam lembrar muito disso...
Isso é importante para registro, mas também para comprovação da contribuição direta, ou seja, quando a contribuição foi realizada por meio de dinheiro investido na compra do bem.
Mas, ainda que não venha expresso no documento acerca da contribuição, também é possível comprovar por outros meios, como notas fiscais, transferências, depósitos etc., devendo ser comprovada judicialmente a referida contribuição.
Mas e se eu não contribuí com dinheiro?
Também é possível identificar a contribuição indireta, a que não pode ser mensurada ou quantificada, como por exemplo as mulheres que se dedicam ao lar e aos filhos enquanto o homem trabalha para a subsistência da família.
A justiça já entende que o cuidado com o lar influencia diretamente na vida financeira daquele que trabalha fora de casa. Isso porque, aquele que permanece no lar garante ao cônjuge que trabalha fora a possibilidade de trabalhar e crescer seu patrimônio, uma vez que é auxiliado pelo trabalho de cuidado da parte que está zelando pela manutenção do lar. Dessa forma, o esforço não é desmerecido.
Nesse sentido é a súmula do STF, que diz: "No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento". Dependendo, portanto, da comprovação do esforço comum, direto ou indireto, do casal no ato de adquirir esses bens.
Assim, se houver bens que tenham sido adquiridos através da contribuição do casal, esses precisam ser compartilhados entre o casal no momento da separação.
6) Considerações Finais
A separação obrigatória de bens, apesar de não ser uma escolha para muitos casais, desempenha um papel crucial na proteção de indivíduos em situações específicas. Ela oferece uma camada de segurança que previne abusos e garante a autonomia patrimonial dos cônjuges. É fundamental que os casais estejam cientes das implicações desse regime antes de formalizarem a união, buscando sempre orientação jurídica adequada para tomar a decisão mais alinhada com seus interesses e necessidades.
A legislação brasileira busca equilibrar a proteção dos indivíduos com a liberdade de escolha.
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